O poder dos Acionistas e o caso Mota-Engil / CCCC

No seguimento do artigo de apresentação do livro “How to be an effective shareholder” (“Como ser um acionista eficaz”), recomendo a análise de alguns elementos relacionados com o acordo de parceria da Mota-Engil com a CCCC.

Independentemente de considerações relacionadas com a valia para o grupo, para a família acionista, para os restantes acionistas minoritários e para novo acionista, surgem ilustradas determinadas posições, assumidas por distintos grupos de acionistas, que demonstram a necessidade de se conhecer bem os direitos, as obrigações e a necessidade de se ser um sócio proactivo.

Esta análise foca-se somente em alguns aspetos da questão em análise, relacionados com o objetivo de associar alguns elementos focados na publicação referida, não sendo nem tendo pretensões de formular um juízo de valor ou posição relativamente às distintas perspetivas que serão apresentadas.

O Grupo Mota-Engil e a parceria CCCC

Há 75 anos, Manuel António da Mota criou a Mota & Companhia em Amarante. Na atualidade, o Grupo Mota-Engil é uma multinacional com participação em mais de 280 atividades diversas, nas áreas de engenharia e construção, ambiente e serviços, concessões de transportes, etc., presente em 3 continentes e que emprega mais de 32.000 pessoas.

Em agosto de 2020, a empresa emitiu um comunicado no qual informava estar na fase final de negociações “de um acordo de parceria estratégica e investimento com um dos maiores grupos de infraestruturas do mundo (top 5), com uma atividade significativa a nível mundial, visando que este grupo se torne um acionista relevante e um parceiro de longo prazo”.

Esta associação previa o desenvolvimento em conjunto de oportunidades comerciais e alterações à composição acionista da empresa, e perspetivava que:

  • o novo acionista atingirá uma participação ligeiramente superior a 30%,
  • a família Mota, através da Mota Gestão e Participações, assegurará o seu compromisso e ligação à empresa mantendo uma participação de cerca de 40% do capital social.

 

No final de novembro foram anunciados mais detalhes:

  • a China Communications Construction Company (CCCC), a quarta maior construtora do mundo, era o referido parceiro,
  • a família Mota venderia uma parte do capital a um preço na ordem dos €3,08 (cerca do dobro do preço de cotação em bolsa),
  • existiriam alterações aos órgãos sociais da empresa.

No mês de fevereiro de 2021, a alteração dos estatutos da Mota-Engil, aprovada com 98,3% dos votos em junho de 2020, é questionada por um pequeno acionista (0,33%) porque a revisão reduz a minoria de bloqueio de um terço para 30,01%.

Nota: Os estatutos da empresa consideram:
“Artigo Décimo Sexto
UM – As deliberações sociais são tomadas por maioria simples dos votos emitidos na Assembleia, sem prejuízo do disposto no número seguinte e em normas legais imperativas.
DOIS – As deliberações relativamente aos assuntos seguintes deverão ser aprovadas por maioria qualificada de pelo menos 70.01% (a) dos votos emitidos tanto em primeira como em segunda convocação, salvo se a lei exigir maioria superior e sem prejuízo dos demais requisitos que forem legalmente aplicáveis:
a) cisão, fusão, transformação e dissolução da sociedade;
b) aprovação e alteração dos estatutos da sociedade;
c) aumento de capital da sociedade;

f) limitação ou supressão dos direitos de preferência dos acionistas nos aumentos de capital;

h) eleição e destituição do Conselho Fiscal, do Revisor Oficial de Contas, da destituição da Comissão de Vencimentos e dos membros da Mesa da Assembleia Geral de Acionistas;

(a) – Esta percentagem dá o poder à CCCC, com 30,01%, de não aprovar as deliberações em epígrafe

Isto parece contornar uma regra básica de mercado, na medida em que, numa sociedade cotada, quem ultrapasse 33,3% do capital tem a obrigação de lançar uma OPA sobre o restante”, afirmou na altura João Pereira Leite, um dos responsáveis deste acionista.

Nota: Esta situação poderia implicar que a oferta da CCCC, de aquisição a €3,08, tivesse de ser alargada aos restantes acionistas. 

 

A 26/02/2021 a empresa apresenta o seguinte esclarecimento:

  • Os estatutos da Mota-Engil atualmente em vigor conferem a um acionista, ou grupo de acionistas, detentores de pelo menos 30% do capital social, o direito de obstarem à aprovação pela Assembleia Geral de deliberações sobre várias matérias, bem como o direito de designar 1/3 dos membros do órgão de administração, sendo certo que, quanto a um conjunto alargado de assuntos, a tomada de decisões, ao nível desse órgão, depende da não oposição de pelo menos 1/3 dos administradores.

 

  • Havendo o risco de que a situação descrita possa ser encarada como indo além do objetivo de proteger os acionistas minoritários, o que poderia sujeitar a CCCC ao dever de lançar uma OPA caso ela viesse a tornar-se detentora de uma participação igual ou superior a 30% do capital social da MOTA-ENGIL — o que, de resto, nunca chegaria a suceder, uma vez que o investimento por parte da CCCC está justamente condicionado a que a CMVM confirme que a transação não gera uma obrigação de OPA —, o Conselho de Administração deliberou propor aos sócios uma alteração dos estatutos da SOCIEDADE, no sentido da redução daqueles direitos e de afastar tal risco.

 

No mesmo comunicado, foi ainda referida a consagração da:

Obrigatoriedade de distribuição de 50% do lucro do exercício, até ao limite de metade do lucro consolidado (salvo deliberação em contrário tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social, qualquer que seja o capital detido pelos acionistas que votem contra, ou deliberação tomada por simples maioria, desde que sem votos contra de acionistas titulares de pelo menos 5% do capital social), o que manifestamente robustece o direito ao dividendo dos acionistas.”

Os Estatutos da Sociedade refletem vontades dos Acionistas

Este comunicado vem exemplificar mais um conjunto de posições que podem ser assumidas pelos acionistas de uma sociedade:

  • A obrigatoriedade de distribuição de resultados com proteção de posições minoritárias;
  • O direito de indicar membros para o Conselho de Administração por determinada posição acionista (Art. 19º);
  • O direito de veto de um determinado número de administradores para determinadas deliberações (Art. 20º).

 

(Se desejar conhecer mais pormenores consultar os estatutos atuais aqui)

Conclusão

Pensar-se que estas situações se colocam somente porque a Mota-Engil é uma grande multinacional e sociedade cotada, é alhear-se da realidade.

Os acionistas e os administradores de qualquer sociedade, de qualquer dimensão e, em especial, as empresas familiares, podem e devem ponderar quais os interesses que devem ser devidamente acautelados. Os desejos são um assunto pessoal e coletivo que têm a ver com vontades e não imposições jurídicas –  e quais os instrumentos a que devem recorrer para a sua devida efetivação – uns estarão no âmbito de boas práticas de gestão e outros, sem dúvida, no âmbito de uma adequada efetivação jurídica.

 

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