Miguel Ángel Gallo é um dos maiores especialistas europeus em Empresas Familiares. Este professor do IESE – Business School University of Navarra, presidente do Family Business Consulting Group (Espanha) e presidente honorário da International Family Enterprise Research Academy, é o orador principal da conferência “A Sucessão da liderança na Empresa Familiar”, que se realiza hoje na Maia. O responsável espanhol defende que a “sucessão é um conjunto de processos”, mas sublinha que “a tentação é adiar” porque “deixar o poder é difícil”.

O que distingue as empresas familiares das outras?

Para analisar as diferenças, o conveniente seria comparar empresas familiares e não familiares que sejam similares em diversas variáveis. No entanto, em termos gerais, as empresas familiares enfrentam armadilhas peculiares, nomeadamente, ao confundir a capacidade de gerir com o facto de se ser proprietário, não seguir algumas regras que são necessárias nas empresas aquando a realização dos negócios, adiar a sucessão e confundir gestão com direção.

Do seu ponto de vista, as empresas familiares são mais resistentes às crises financeiras?

É difícil responder de uma forma objetiva devido à situação de instabilidade e mudança que estamos a viver, como é o caso da última crise do setor financeiro que levou ao encerramento de bancos em vários países. Ainda assim, e tentando responder à pergunta, muitas vezes, as empresas familiares são mais resistentes por terem conseguido manter uma influência financeira inferior. Outras vezes, são menos resistentes por não quererem abrir o seu capital a terceiros, com receio de perder o controlo.

Há muitas diferenças entre as empresas familiares espanholas e portuguesas?

Penso que não há diferenças.

De acordo com a sua experiência, no futuro vai haver mais ou menos empresas familiares na economia?

Nos países onde se defender o conceito de família haverá, sem dúvida, mais empresas familiares. Em contrapartida, onde se “ataque” a família e se promova a cultura da morte (aborto e eutanásia, por exemplo), haverá menos. Nos países onde se promova o empreendimento haverá mais negócios familiares. Por seu turno, onde se promoverem postos de trabalho assentes apenas no conceito de funcionários, haverá menos.

O estilo de liderança numa empresa familiar deve basear-se no poder ou na autoridade?

Sem dúvida nenhuma que o estilo de liderança de uma empresa familiar deve basear-se na autoridade, desde que tenha como pilares a sabedoria profissional e o respetivo reconhecimento pelos outros. Mas também é verdade que quando à autoridade não é reconhecido poder, torna-se algo irreal.

Qual é o momento ideal para levar a cabo o processo de sucessão numa empresa familiar?

A sucessão é um conjunto de processos. Alguns, como o da formação de acionistas e de sucessores, há que começá-los muito rapidamente. Outros, como o de participar na gestão da empresa, devem começar mais tarde. Cada coisa a seu tempo, sabendo que a tentação é adiar, até porque deixar o poder é difícil.

Qual o maior desafio que enfrentam as empresas familiares?

O principal desafio que as empresas familiares têm relaciona-se com a possível erosão da instituição familiar. 

Autoridade e poder são variáveis no exercício da liderança

Um tema que fará parte da apresentação de Miguel Ángel Gallo consiste na distinção entre poder e autoridade num processo de gestão da empresa familiar. “Poder e autoridade são duas realidades diferentes. Numa empresa, um indivíduo pode ter poder, por ser proprietário ou por estar mandatado por alguém com esse direito legal, sem exercer autoridade. Por seu lado, há indivíduos que possuem autoridade na organização, devido ao reconhecimento das suas competências e não ter poder”, explica o especialista.

Miguel Ángel Gallo refere que, muitas vezes, poderá ocorrer confusão entre o que é conduzir uma empresa e ter de tomar decisões. Isso faz com que muitas pessoas sem experiência de gestão acreditem que a principal lição, para quem chega aos lugares de chefia, passa por saber tomar decisões nas diferentes atividades que exercem, esquecendo que um líder é mais do que isso: “ajuda os colaboradores a melhorar as suas qualidades, ensina com o seu comportamento e conhecimentos e prepara os líderes do futuro”.

Deste modo, num estilo de liderança, o exercício do poder envolve sempre inteligência, vontade e uma terceira capacidade: sentimentos. “Pensar que as pessoas que estão a governar uma empresa se movem exclusivamente por uma pura racionalidade económica, é não conhecer a realidade das pessoas e da vida da empresa. Por terem sentimentos, muitas decisões são dos gestores tomadas direta ou indiretamente por essas preferências individuais”, salienta.

O empreendedor de uma empresa familiar habitualmente costuma ter a autoridade e poder necessários para ser o líder da primeira etapa de desenvolvimento do negócio, “porque a ideia é sua e sabe como implementá-la”. É nos momentos de sucessão que o desafio aparece: “há líderes que exercem o poder até ao final da vida, sem permitir que nenhum sucessor o faça. Esta maneira de atuar não prepara os membros da família e os sucessores para que seja possível uma transmissão de propriedade responsável”, conclui.

 

Publicado no “Especial Empresas Familiares” do Jornal de Notícias de 2014/07/09 integrado no âmbito da conferência “A Sucessão da Liderança na Empresa Familiar”

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