Nos últimos tempos, tenho gerido a empresa da família, com a enorme colaboração dos meus dois filhos. Neste momento considero que estão habilitados a seguir em conjunto, pelo que estou a ponderar sair da administração. A minha grande dúvida é o que acontecerá quando os dois tiverem opiniões divergentes ou decidirem individualmente assuntos que deveriam ser partilhados e assumidos em conjunto?
Da situação descrita depreende-se desde logo que o processo de preparação da sucessão da liderança, de pai para filhos, está a ser desenvolvido, o que deve ser devidamente felicitado.
O enorme passo a dar é a entrega do testemunho, deixando-os com a enorme responsabilidade de conduzirem o negócio familiar.
A sua preocupação com potenciais situações de impasse, isto é, de um determinado assunto vir a ser alvo de posições opostas por parte dos dois administradores, é muito legítima e relevante.
Se o conselho de administração da empresa vai passar de três para dois membros, obrigatoriamente um deles terá de ter voto de qualidade, o que neste caso será o mesmo que dizer que um deles passará a ter a capacidade de decidir o que desejar.
Para evitar cair nesta situação, existem diversas possibilidades:
- O senhor passar a administrador não executivo – constituir uma comissão executiva de dois administradores que são os seus filhos –, ficando definido que em situações de divergências o assunto será levado a decisão do conselho de administração, que será quem desempatará a deliberação;
- Outro cenário possível, em especial se não desejar assumir esta função ou pretender preparar um cenário com a sua ausência, passa por esse papel de mediador e de desempate ser assumido por uma pessoa externa à empresa.
Relativamente ao receio de poderem tomar decisões de forma individual sobre temas que devem ser debatidos e deliberados de forma partilhada, a situação é ultrapassada pelo desenvolvimento de um regulamento do conselho de administração e atribuição de pelouros ou áreas de atuação individual.
Este regulamento é um instrumento que define para cada tema considerado relevante, quem é que pode ou deve assumir o seu tratamento e quem pode decidir.
Em termos genéricos e dado que para facilitar é muito comum agrupar os temas por áreas funcionais – comercial, produção, pessoa, financeira, etc. –, passa por definir por exemplo que para fazer compras de equipamento até dez mil euros qualquer um dos administradores pode tomar a decisão e que, se for acima desse montante, o administrador que tem a necessidade identificada terá a responsabilidade de compilar a informação adequada e levar o assunto a decisão do conselho de administração.
Com uma filosofia de trabalho suportada na atribuição de responsabilidades, na definição de níveis de competência de decisão dos administradores e de funcionamento adequado do órgão de administração, atingem-se níveis de profissionalismo e de confiança que minimizam o surgimento de divergências inultrapassáveis e, em especial, que permitem ultrapassar potenciais situações de impasse.
Nota: Este texto faz parte da coluna “Empresas Familiares – Perguntas e Respostas“, publicada no jornal “Metal” de 22 de fevereiro de 2019
CEO da efconsulting e docente do ensino superior.
Especialista na elaboração de Protocolos Familiares, Planos de Sucessão, Órgãos de Governo, acompanhando numerosas Empresas e Famílias Empresárias.
Orador em seminários, conferências e autor de livros e centenas de artigos relacionados com Empresas Familiares.