E se o chefe não se quiser reformar?
Para muitos fundadores de negócios familiares, entregar a batuta representa o desafio mais complexo no final das suas vidas.
No final da sua última corrida com a Ferrari, o Grande Prémio do Brasil de Fórmula 1 de 2006, Michael Schumacher olhava a suar, pensativo e silenciosamente, para o pódio, que lhe tinha escapado por cinco segundos na meta. Tinha terminado em quarto lugar, mas acumulava pontos suficientes para ser o segundo na classificação geral da temporada.
Nada mal … No entanto, tinha-lhe escapado o campeonato pelo segundo ano consecutivo. Decidiu, numa mistura de dor e coragem, que tinha chegado a hora da reforma.
Fez bem em reformar-se na altura? É difícil dizer.
Numa ocasião, Bernie Ecclestone, CEO da administração da Fórmula 1, deu uma entrevista na qual se referiu à retirada definitiva de Michael Schumacher [1]. O sete vezes campeão do mundo, que partiu no auge da sua carreira, regressou, quatro anos depois, para correr durante três temporadas (2010-2012), com um desempenho bastante modesto, onde nunca ultrapassou o oitavo lugar da classificação.
Na entrevista, o repórter mencionou um mito em Hollywood chamado “Regra de Greta Garbo”:
“Depois de um ator atingir o ponto alto da sua carreira, tem de desaparecer do palco para que a lenda possa viver.
Ao que Ecclestone respondeu:
“Preferia que o Shumy se tivesse reformado quando ganhou os sete campeonatos do que se tivesse reformado agora. Os novos fãs do desporto vão lembrar-se do Michael como é hoje, não como era. Não veem o herói que era, mas sim o humano que pode falhar. Acho que o mais importante (e provavelmente o mais difícil) é saber parar, quando já não se pode fazer o que se costumava fazer antes, e passar o bastão a outra pessoa…
“Talvez seja somente por o Michael não ser tão bonito como a Greta Garbo era …
“Ha ha ha! Tem de compreender o caso do Michael: ele é um tipo competitivo. E isso faz toda a diferença.
A hora certa
Schumacher reflete grande parte da atitude do líder de uma organização. John Davis, coautor do Modelo Dos Três Círculos, numa das suas palestras traça o seguinte esboço e propõe a seguinte pergunta:
“Se fosses o fundador da tua própria empresa, quando te irias reformar?”
O eixo vertical representa o contributo do líder para a sua empresa através das suas competências profissionais e o eixo horizontal o tempo.
Com o passar dos anos, a curva expressa o aumento da capacidade do líder, atingindo o momento de máxima contribuição e começando depois a diminuir.
Quando é o momento ideal para a reforma?:
- antes da contribuição máxima que as capacidades podem dar à organização (ponto “A”)?,
- mesmo no topo das competências que podem ser usadas para a empresa (ponto B)?,
- após ter dado “o melhor de si mesmo” (ponto C)?
As questões fundamentais que os empresários devem colocar a si próprios são:
- quando é que eu sei que atingi o limite da minha capacidade empresarial?
- quando cheguei ao auge da minha capacidade?
As respostas não são simples. Dependerão da situação de cada pessoa, da qualidade das relações e da confiança com o seu ambiente familiar e profissional.
Deixar um legado
Para que este regime funcione, é necessário que a reforma do líder e o máximo responsável pelas decisões de uma empresa sejam voluntárias.
A figura familiar do fundador está intimamente ligada à sua identidade como líder da empresa. Muitas vezes, têm uma sensação especial de perda quando o poder é transferido. Agarraram-se ao seu estatuto de heróis como patriarcas da família e da empresa, e dar um título significa o desaparecimento do outro. Ao renunciar ao controlo da empresa, sentem que renunciam ao seu cargo de líder da família, e esta perspetiva é especialmente traumática.
Para resistir à tentação de levar demasiado longe os limites das suas capacidades, o fundador aceitará duas condições de herói para a reforma: estatuto e missão. O estatuto de herói ou de reconhecimento refere-se à posição única de poder que foi conquistada por mérito próprio, e que os principais líderes têm, que lhes permite estar acima dos outros indivíduos do grupo.
A missão heroica ou legado é o sentimento do líder de ter cumprido a sua missão na vida e de poder transmitir uma mensagem com uma moral ligada ao seu propósito final, uma habilidade.
Sem estes dois elementos, um líder dificilmente integrará a reforma no seu ciclo de vida empresarial.
O importante é, quando chegar a altura, ter um plano de saída que inclua todos os aspetos da sucessão (liderança, gestão e propriedade), tendo em conta as necessidades dos ciclos de vida, tanto do sucessor como do sucedido, alinhando-os com o propósito da empresa familiar.
A chave é delegar
Ser sócio de uma empresa familiar significa estar habituado a usar muitos chapéus. Mas, à medida que o negócio e a sua equipa crescem, chega uma altura em que temos de entregar a batuta do maestro, entregando algumas dessas responsabilidades a outros, se realmente se deseja continuar a crescer. À medida que evoluímos devemos passar de operacionais a estratégicos.
Para delegar eficazmente, as recomendações podem ser resumidas como:
- Certificar que se tem as pessoas certas para as tarefas que se delegam.
- A estratégia e o objetivo final são claros para todos.
- Selecionar cuidadosamente quais as tarefas que pode delegar e quais não pode.
- Criar indicadores para medir se a gestão delegada é eficaz.
- Passar o tempo e cuidado a ouvir as opiniões daqueles que assumiram as suas funções.
- Efetuar as alterações necessárias para melhorar a delegação.
- Decidir o que mais delegar e repetir o processo.
Além disso, com regras claras nas funções, os caminhos de experiência que suportam a autoridade dos sucessores e dos órgãos sociais estabelecidos e em funcionamento, as probabilidades estatísticas, de que a transferência da liderança para as gerações seguintes falhe, podem ser significativamente reduzidas.
A ideia fundamental é procurar um sucessor no cargo, não um substituto para a pessoa.
Não podemos clonar o fundador.
As ações são herdadas, mas não as capacidades do fundador. O seu carisma, visão empresarial e espírito fundador são irrepetíveis. Mas podemos substituir a pessoa que cumpre as suas funções, se estiverem bem definidas.
Apesar de não sermos todos Michael Schumacher, nem vivermos na Fórmula 1, encontrar o momento certo, estar ciente do legado e saber delegar, são dos ingredientes mais eficazes do crescimento do negócio, aproveitando a energia e o tempo disponíveis do líder em processo de reforma, além de evitar as decisões erradas produto da fadiga cerebral por estar preso a cada vez mais detalhes.
[1] O caso citado surge numa entrevista publicada pelo site oficial da Fórmula 1, no final da temporada de 2012. Em 2013, Michael Schumacher sofreu um acidente enquanto esquiava na Suíça, o que o deixou em coma durante quase um ano, e do qual se recuperou gradualmente graças aos cuidados da sua família.
Artigo de Guillermo Salazar. Sócio-gerente da Exaudi Family Business Consulting®.
Publicado no perfil de linkedin em 2022/12/19, reproduzido com autorização do autor e tradução de antónio nogueira da costa
CEO da efconsulting e docente do ensino superior.
Especialista na elaboração de Protocolos Familiares, Planos de Sucessão, Órgãos de Governo, acompanhando numerosas Empresas e Famílias Empresárias.
Orador em seminários, conferências e autor de livros e centenas de artigos relacionados com Empresas Familiares.