O bom governo de uma organização deve considerar qual a preponderância do perfil do seu líder – gestor ou empreendedor – e, consequentemente, ao assegurar a sua sucessão/, deve também ter presente esta dualidade, que nem sempre se encontra na mesma pessoa, mas que pode ser complementada numa equipa.
A perenidade, um dos maiores desejos das famílias empresárias para as empresas familiares que controlam, é indissociável da continuidade da sua liderança, levando a que o processo da sua sucessão não seja um desafio, mas uma oportunidade.
O bom governo de uma sociedade deve considerar dois distintos perfis de timoneiros, a saber:
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- o líder gestor – preocupa-se com o curto e médio prazos e os aspetos mais operacionais, acrescentado valor à sua execução, vitais para a estabilidade e a sustentabilidade da empresa familiar;
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- o líder empreendedor – foca-se no longo prazo e impulsiona a inovação, o posicionamento e o crescimento dos negócios para enfrentar as procuras futuras do mercado;
e percecionar se os mesmos estão calibrados segundo as exigências do mercado onde está inserida a sociedade. Se a condução for assegurada por uma só pessoa, é importante que esta tenha presente as duas perspetivas referidas; se for por duas ou mais pessoas, esse equilíbrio também deve ser assegurado, podendo ser alocado a distintas pessoas.
Também nas empresas familiares as abordagens e características de um líder gestor e de um líder empreendedor aportam impactos distintos, tanto para a gestão diária quanto para a visão de longo prazo. Embora ambos possam ser eficazes, as suas prioridades e os seus estilos de liderança tendem a divergir em alguns pontos fundamentais, cujas principais diferenças são:
1. Foco Estratégico
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- Líder Gestor: Foca-se em preservar e melhorar o que já foi estabelecido, priorizando a continuidade, a eficiência e a estabilidade da empresa. A ênfase é colocada na otimização de processos, no controle de custos e na manutenção da rentabilidade, numa perspetiva voltada para a gestão do presente.
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- Líder Empreendedor: O empreendedor tende a ser movido pelo crescimento e inovação. Procura explorar novas oportunidades, diversificar o portefólio de produtos e serviços, entrar em novos mercados e está disposto a correr mais riscos para expandir os negócios. A sua visão está orientada para o futuro a que a empresa pode chegar.

2. Abordagem ao Risco
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- Líder Gestor: Prefere uma abordagem cautelosa e avessa ao risco, com foco em previsibilidade e segurança. Este perfil tem tendência a tomar decisões baseadas em dados, análises minuciosas e históricos de (in)sucesso, para garantir que a empresa se mantenha sólida e segura.
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- Líder Empreendedor: Adota uma postura mais aberta ao risco, frequentemente explorando ideias e oportunidades de alto impacto e, por vezes, alto risco. É mais propenso a experimentar, inovar e aceitar o fracasso como parte natural da aprendizagem, o que pode trazer grandes ganhos, mas também desafios financeiros.
3. Tomada de Decisão
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- Líder Gestor: A tomada de decisão é estruturada e baseada em processos. O gestor valoriza as cadeias de comando e geralmente consulta outros líderes e gestores antes de decidir, visando mitigar incertezas e reduzir erros.
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- Líder Empreendedor: A decisão é rápida e impulsionada por intuição. Esse tipo de líder tem uma visão mais ágil e toma decisões frequentemente baseado em perceções e tendências. A estrutura tende a ser mais flexível e a hierarquia menos rígida, incentivando autonomia e inovação.
4. Orientação para Processos vs. Inovação
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- Líder Gestor: Prioriza a padronização e o controlo de processos. Procura estabelecer regras, políticas e procedimentos claros para assegurar a qualidade e a consistência, o que é crucial para empresas que desejam manter uma operação estável e assegurar a perenidade.
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- Líder Empreendedor: Enfatiza a criatividade e a inovação. Está constantemente em busca de novas formas de resolver problemas e de trazer novidades para o mercado. O erro é uma oportunidade de aprender e um incentivo à experimentação.
5. Gestão de Pessoas e Cultura
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- Líder Gestor: Tende a ser um gestor de talentos, focado em manter a equipa motivada e produtiva numa estrutura mais tradicional e previsível. Valoriza a estabilidade e busca pessoas que se alinhem bem com processos estabelecidos, podendo ter mais aversão à rotatividade.
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- Líder Empreendedor: Incentiva a autonomia e a inovação dos colaboradores e, frequentemente, procura atrair talentos com perfil criativo e resiliente. Costuma criar uma cultura de trabalho mais dinâmica e aberta, onde são incentivadas ideias novas e a aprendizagem é constante.
6. Sustentabilidade e Expansão do Negócio
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- Líder Gestor: Foca na sustentabilidade e preservação dos recursos, sendo cuidadoso ao expandir o negócio e dando prioridade ao fortalecimento das operações existentes. As suas principais estratégias visam manter a rentabilidade e a saúde financeira da empresa no longo prazo.
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- Líder Empreendedor: Está mais disposto a apostar na expansão e na diversificação dos negócios lançando novos produtos, entrando em novos mercados ou criando unidades de negócio independentes. Essa abordagem pode gerar rápido crescimento, mas também um risco maior.
7. Resiliência em Crises
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- Líder Gestor: Por ter processos estabelecidos e uma estrutura sólida, é mais preparado para manter a empresa estável durante crises económicas ou imprevistos. A sua postura mais conservadora ajuda a empresa a resistir a dificuldades com menos mudanças drásticas.
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- Líder Empreendedor: Tem uma resiliência criativa, identificando soluções inovadoras e ajustando a direção do negócio com rapidez em situações de crise. Embora possa correr mais riscos, geralmente tem uma flexibilidade que permite reagir de forma ágil e encontrar novas fontes de receita.
8. Relacionamento com Clientes e Mercado
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- Líder Gestor: Privilegia preservar relações e atender bem os clientes atuais, assegurando que eles recebam o mesmo padrão de qualidade e confiabilidade. É orientado pela fidelidade e satisfação dos clientes já conquistados.
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- Líder Empreendedor: Está em constante busca de novos mercados e segmentos de clientes e procura novas oportunidades para expandir o alcance da empresa. Foca-se mais em tendências e mudanças do que nas preferências dos consumidores.
9. Legado Familiar e Visão de Longo Prazo
- Líder Gestor: Geralmente privilegia preservar o legado da família e proteger os valores tradicionais da empresa. A sucessão e a continuidade são aspetos fundamentais e o gestor procura assegurar que a empresa mantenha a sua essência e reputação.
- Líder Empreendedor: Embora também valorize o legado, considera a adaptação e a reinvenção como partes importantes desse legado. A prioridade é tornar a empresa competitiva e relevante, mesmo que isso signifique mudar substancialmente a sua identidade ou os seus processos originais.
Neste contexto de dualidade de perfis, o processo de preparar a sucessão e a transição na liderança da empresa familiar, deve considerar etapas como:

1. Avaliar as Competências e Capacidades dos Sucessores
Começar por uma análise profunda das competências, pontos fortes e aspirações dos familiares que possam ser candidatos à liderança. Se alguns membros tiverem atratividade por outras áreas, não se deve forçar a sua dedicação à empresa, pois pode ser prejudicial tanto para ela quanto para a empresa.
2. Estabelecer Critérios de Seleção
Definir critérios claros e objetivos para a escolha do sucessor, como qualificações profissionais, experiência prática no setor e competências em liderança, ajudará a legitimar a escolha, tornando-a menos subjetiva e reduzindo conflitos familiares.
3. Criar um Plano de Desenvolvimento para o Sucessor
Uma vez identificado um sucessor potencial, o mesmo deve ser preparado para assumir responsabilidades gradualmente. O processo pode incluir formação, estágios em diferentes áreas da empresa e, se possível, experiência noutras empresas para ampliar as suas perspetivas.
4. Estruturar um Processo de Transição
A transição deve ser planeada e comunicada para que todos entendam o processo e as suas etapas. Um plano de transição gradual, que inclua um período de coexistência, em que o líder atual e o sucessor trabalhem em conjunto, é benéfico para garantir que o conhecimento e a experiência sejam adequadamente transferidos.
5. Considerar a possibilidade de um Conselho de Administração
Se a empresa ainda não tem um, a criação de um conselho de administração pode fornecer uma base sólida de governo para orientar o novo líder e complementar as suas valias. O conselho pode incluir familiares e profissionais externos para assegurar a objetividade nas decisões.
6. Definir o Papel do Líder Atual Após a Transição
Muitos fundadores ou líderes sentem dificuldade em se afastar completamente da empresa. Definir claramente o papel e as responsabilidades do líder atual (posição consultiva por ex. º) pode ajudar a evitar atritos e ambiguidade e facilitar ao sucessor o assumir a liderança em pleno.
7. Comunicar a Mudança com Transparência
A sucessão deve ser comunicada de forma clara e com antecedência aos empregados e outros stakeholders da empresa, salientando que a empresa está preparada para um novo capítulo e que preservará os valores e a visão que a sustentaram até ao presente.
8. Preparar a Família para o Processo
A sucessão pode gerar conflitos, que podem ser menorizados se todos os membros da família estiverem alinhados e cientes da escolha, evitando disputas e ressentimentos.
9. Focar na Cultura e na Visão de Longo Prazo
Por fim, reforçar os valores e a cultura da empresa para que continuem a ser um suporte às atuações do sucessor. Será também essencial que ele conheça a história e a missão da empresa para liderá-la com autenticidade.
Conhecer o perfil do atual líder e qual deve ser o do sucessor e encetar um plano de sucessão adequado, embora seja um processo delicado é essencial para a sustentabilidade da empresa e para o fortalecimento do legado familiar ao longo das gerações.
O João Carvalho nasceu em Belmonte, na Quinta dos Termos, é casado com Lurdes e tem dois filhos. Foi colega de carteira de Sócrates no liceu da Covilhã, antes de se licenciar em engenharia têxtil da Universidade da Beira Interior e chegar a CEO da Fitecom e empresário agrícola, sendo o maior produtor de vinhos DOC da Covilhã.
Aprendeu a ser empreendedor no início da adolescência, quando os pais lhe atribuíram uma parcela de terra que ele trabalhava para assegurar o seu sustento.
Na conferência “Desafios das Empresas Familiares”, realizada a 18 de outubro, participou numa mesa-redonda, neste regresso à UBI, onde sobressaiu o seu perfil de líder empreendedor – aprecia criar projetos e empresas e depois entregar a sua gestão corrente a outros que o fazem muito melhor.
O seu percurso profissional reflete este seu posicionamento. Após a licenciatura trabalhou na Sofal, de onde saiu em 1989, exerceu funções de docente na UBI, entre 1990 e 2008 (a tempo parcial para permitir desenvolver os seus projetos) e, em 1993, com mais dois sócios, comprou em hasta pública os ativos da fábrica de lã onde trabalhou – que tinha sucumbido por obsolescência tecnológica – e fundou a Fitecom (FIação, TEcelagem e COMercialização).
Apostou na inovação nos acabamentos, sendo pioneira no país na utilização de acabamentos ao nível da nanotecnologia e no desenvolvimento de novas fibras adequadas a novos tipos de utilização (anti-odores, anti-stress ou que reagem à temperatura), o que a levou a conquistar marcas como a Hugo Boss, Armani ou Valentino e a exportar totalidade da produção com cerca de 80% para a Europa e o resto do mundo a ficar com o restante.
Na década de 1990 iniciou a digitalização do processo produtivo, com os primeiros sistemas CAD, e, nos últimos anos, tem intensificado a utilização de ferramentas digitais para a criação e venda de produtos. Possui um parque fotovoltaico que a torna praticamente autónoma durante o dia.
As suas irreverências levaram-no também a transformar a Quinta dos Termos, há três séculos nas mãos da família, com cerca de 180 ha e uma área vinícola em produção de 54 há, no maior produtor da região com Denominação de Origem Controlada da Beira Interior.
A sua receita de sucesso: tecnologia, investimento e exportação.
Este artigo foi publicado na revista Start&Go, nº 46, abril de 2025