Todos os membros das empresas familiares devem ser especialistas em comunicação

Se queremos realmente ter regras claras, ordem e hierarquia num negócio familiar, temos de começar pelo início. As relações humanas são relações de comunicação pelo que, quanto mais efetiva esta for, mais possibilidades temos para satisfazer cada indivíduo e, a longo prazo, o sistema de empresa-família-propriedade a que pertencem.

A comunicação provou ser um dos instrumentos mais eficazes na prevenção e gestão de conflitos, que inevitavelmente aparecem em todas as organizações complexas. Felizmente, existem estratégias que permitem proteger os membros de uma família deste tipo de situações, favorecendo uma melhor compreensão em torno das suas expectativas e visões sobre a empresa.

Pela minha experiência, pude verificar que as estratégias apresentadas neste artigo são mais eficazes nas famílias empresárias®. Estas, em comparação com as famílias que não partilham um negócio familiar, utilizam mais recursos de comunicação para tentar manter a harmonia entre os seus membros. Para além de uma maior interação no dia-a-dia, têm mais a perder, uma vez que há um património em jogo.

Paul Watzlavick, no seu trabalho Teoria da Comunicação Humana, enunciou os axiomas ou regras que a definem. O mais importante é aquele que diz que “é impossível não comunicar“, o que significa que, apesar de o desejo de cortar todo o tipo de relação entre duas pessoas, estaremos sempre a transmitir informação, mesmo com silêncio. Isto suporta-se no segundo axioma que distingue dois tipos de linguagem na comunicação:

  • Linguagem digital: refere-se a toda a informação que viaja entre dois interlocutores explicitamente, seguindo regras linguísticas específicas. Pode ser escrita ou verbal. Se não existir ruído, o recetor receberá exatamente o que o remetente enviou, graças ao facto de partilharem o mesmo código.

 

  • Linguagem analógica: é toda a informação que não transmitimos com palavras. São os nossos gestos, posturas, olhares, atitudes, entoação da voz, cadência, volume e, claro, silêncios. Os seus códigos de interpretação estão no inconsciente humano. No entanto, a informação recebida dependerá de cada destinatário.

 

A linguagem analógica é muito mais poderosa que a  digital. Transmite uma maior quantidade de dados em pouco tempo e espaço, é involuntária e está permanentemente presente na relação. Diz-se que a proporção de dados que viajam em cada mensagem de comunicação humana é de pelo menos 80%  analógica e 20% de digital.

Portanto, mesmo que permaneçamos em silêncio, é impossível não comunicarmos. Além disso, é muito difícil mentir através da linguagem analógica, porque não podemos controlá-la à vontade. O nosso corpo não sabe mentir. Talvez por um curto período, mas, em poucos segundos, a consciência perde o controlo dos nossos gestos e a inconsciência entrega-nos.

Por exemplo, por vezes alguns casais podem dizer que passam por períodos em que sofrem de uma “falta de comunicação“. No entanto, de acordo com esta teoria, isso não é correto. A mensagem é muito clara. Os seus silêncios gritam a necessidade de reconciliar e de acabar com os medos do que se assume que o outro pensa.

Preconceitos e preferências

Os seres humanos possuem uma série de suposições que impedem a nossa comunicação. Por defeito, tendemos a acreditar que o outro percebe a realidade da mesma forma que eu a percebo, ou que ele deduz as mesmas coisas que eu deduzo ao experimentar ou observar uma situação.

Do nosso ponto de vista, tudo o que acontece tem uma lógica, portanto, todas as pessoas devem, em princípio, experimentar os mesmos sentimentos que eu. Este é um dos erros mais comuns que cometemos muitas vezes nas nossas relações quotidianas.

Tudo depende do espelho com que se olha. Cada um de nós tem uma preferência na perceção de tudo o que nos rodeia. E esta interpretação percetiva tem a ver com a nossa experiência, sentimentos anteriores em situações semelhantes e, acima de tudo, com o nosso tipo de personalidade. É o que chamamos de “atenção seletiva“; ou seja, nós, seres humanos, damos preferência à informação que recebemos de uma forma consistente com a nossa forma de pensar, ignorando ou reformulando tudo o que não coincide com as nossas ideias prévias.

A explicação de muitos dos problemas de comunicação, com pessoas que fazem parte do nosso ambiente diário, tem origem em dois fatores que, combinados, definem as nossas personalidades e a forma como:

  • percebemos o ambiente à nossa volta (através do pensamento ou do sentimento),
  • respondemos (introversão ou extroversão).

Em suma, a comunicação é muito importante. Os seres humanos não podem prescindir dela. Muito menos numa empresa familiar.

Mas como podemos tornar-nos especialistas em comunicação?

Além de conhecer e aplicar o que acaba de ser referido, pode-se incluir outros elementos que melhorem a comunicação ativa, independentemente da personalidade, tais como:

  • Evite preconceitos em qualquer situação desconfortável.
  • Não menospreze os sentimentos dos outros.
  • Mantenha contacto visual.
  • Efetue gestos que mostrem estar a escutar. Se conseguir parafrasear o que o outro disse, melhor.
  • Evite distrações.
  • Escolha o lugar e a hora certos para discutir questões importantes.
  • Tente não interromper.
  • Elimine ofensas.
  • Evite comunicar se estiver zangado. As feridas deixam cicatrizes e não se pode recuar.
  • Se recorrer a um terceiro para transportar a sua mensagem, irá adicionar ruído. Chama-se “triangular” e é muito prejudicial à comunicação saudável.
  • E um último conselho: remova as palavras “nunca”, “jamais” e “sempre” das suas discussões. Vai ver a diferença e vai-me agradecer!

 

No meu livro “Ter sucesso com o seu Negócio familiar” encontrará aplicações práticas destas teorias em casos de empresas familiares, bem como testes de personalidade que pode utilizar para determinar a sua tipologia e a dos seus familiares, facilitando assim a compreensão das preferências de comunicação.

 

 

Artigo de Guillermo Salazar. Sócio-gerente da Exaudi Family Business Consulting®.

Publicado no perfil de linkedin em 2022/08/17, reproduzido com autorização do autor e tradução de antónio nogueira da costa

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