OUVIMOS FALAR DIARIAMENTE QUE OS FILHOS ASSUMEM O LUGAR DOS PAIS NAS EMPRESAS DA FAMÍLIA, OU DE NEGÓCIOS QUE TRANSITAM DE PAIS PARA FILHOS. UM NORMAL POUCO FALADO E TÃO HABITUAL NO SETOR AUTOMÓVEL E DO AFTERMARKET.

MAS AFINAL O QUE REPRESENTAM, A NÍVEL NACIONAL, AS EMPRESAS FAMILIARES?

O Jornal das Oficinas esteve à conversa com António Nogueira da Costa, especialista em Famílias Empresárias e Empresas Familiares, CEO da efconsulting® (www.efconsulting.pt), que nos explicou as boas práticas para uma sucessão familiar com sucesso.

Segundo o especialista, não existe até à data um sistema que permita classificar as empresas como sendo ou não familiares. No entanto, em 2018 a Universidade do Minho desenvolveu um estudo o “Roadmap” que permite constatar que a grande maioria das empresas nacionais são de origem familiar.

No entanto, nos últimos anos tem-se verificado uma tendência de grande procura de empresas familiares para operações de aquisição e fusão – tendo presente o sucesso que muitas delas alcançam enquanto PME ou para ultrapassar impasses relacionados com a sucessão – por parte de fundos de investimento e outros investidores”, explicou António Nogueira da Costa.

Recorrendo ao mesmo estudo, é possível depreender que mais de 50% das empresas familiares têm até três trabalhadores, e se subirmos o patamar, para menos de 10 empregados, mais de 81% das empresas encaixam-se neste setor. Cerca de 65% destas empresas não chega aos 250.000 mil euros e mais de 86% fatura menos de um milhão de euros.

António Nogueira da Costa salienta que “Estes valores refletem bem a ideia de que uma grande parte são de facto PME, o que não é significado de um qualquer desprestígio ou menor relevância. Pelo contrário, como muitas das empresas estão sedeadas fora dos grandes centros populacionais, possuem um enorme impacto a nível do emprego e da fixação das pessoas em zonas geográficas menos apetecíveis, sendo as principais impulsionadoras da criação de riqueza nesses territórios”, afirma.

Dado este foco nas PME, o especialista acrescenta “Existem muitas empresas familiares de grande dimensão, provavelmente na mesma ou superior proporção que as sociedades não familiares, e que são referência nas áreas de intervenção. Nas cotadas temos a Jerónimo Martins, a Sonae, a Corticeira Amorim, a Impresa, a Conduril,… e nas não cotadas Sodecia, Nors, Transportes Luis Simões, grupo Barraqueiro, Hovione, Bial, viagens Abreu, grupo Pestana, etc”, acrescentou António Nogueira da Costa.

TRANSIÇÃO DE GERAÇÕES

Tendo em conta que a maioria das empresas nacionais são familiares e tendem a aumentar, António Nogueira da Costa refere a importância de como deve ser feita esta transição de gerações nas empresas “Deve ser feita de uma forma planeada e nunca deixada ao fruto do acaso. Quando tal não acontece, deparamo-nos com situações de passagem abrupta de testemunho, por motivos de incapacidades temporárias ou súbitas, o que pode implicar um imediato assumir de responsabilidades, por vezes sem se estar minimamente preparado, em contextos emotivos fortes (quando o motivo é doença ou falecimento). Este contexto normalmente cria turbulências no quotidiano da empresa, que poderiam ser evitadas num processo planeado e acompanhado”, explica o especialista.

Uma sucessão bem sucedida demora tempo, pelo que deve ser planeada para que não existam surpresas.

Segundo António Nogueira da Costa, devem-se “Preparar os potenciais sucessores, selecionar o(s) líder(es), preparar o papel futuro dos atuais líderes, coexistirem as várias gerações, passar o testemunho”, o especialista exemplifica tal estratégia com o grupo Luís Simões “Possuem um modelo de governo que agrega três irmãos, três primos (filhos de cada um dos irmãos) e um gestor não familiar”, acrescenta.

Para além de todos estes fatores, importa salientar que um futuro gestor deve possuir “Formação adequada e, mais que tudo, as capacidades para gerir uma sociedade onde a família aparece como um relevante stakeholder que, não estando juridicamente contemplada, pode ser um fator de grande enorme relevância e (des)vantagem competitiva”, esclarece António Nogueira da Costa.

Se há uns anos era certo que os filhos seguiam as ‘pisadas’ dos pais, hoje em dia já não é bem assim e muitas empresas deparam-se com o dilema da não continuidade do negócio. Nestas situações nomear alguém de confiança que já trabalhe na empresa ou contratar um gestor, pode ser a solução.

VANTAGENS E DESVANTAGENS

Trabalhar com a família tem mais vantagens ou desvantagens?

O especialista em Famílias Empresárias e Empresas Familiares esclarece “Do ponto de vista da sociedade as vantagens surgem na maior dedicação e espírito de sacrifício das pessoas para trabalharem com mais afinco e disponibilidade; no outro lado da balança pesam os impactos que as divergências entre os familiares tenham na sua atuação e na atividade da própria empresa, mesmo quando tenham origem em acontecimentos externas à sociedade”.

O Jornal das Oficinas esteve à conversa com Pedro Lebre, um dos atuais administradores da Motorbus que passou recentemente por este processo de sucessão familiar

A sucessão na Motorbus foi feita de forma natural e sem um dia ou data definida. Desde há muito anos que tanto eu como o meu irmão fazemos parte da administração e do dia a dia da empresa”, explicou Pedro Lebre. Lado a lado com o pai, Óscar Lebre, Pedro garante ter sido uma sucessão “natural e gradual”, acrescenta ainda que “Os medos e receios que poderiam ter havido desvaneceram-se no tempo, com a experiência que fomos adquirindo e com o desenrolar natural do nosso envolvimento na empresa”.

25 anos depois, Pedro Lebre revela o que alterou na empresa com a sua entrada “Nos primeiros anos éramos cinco funcionários, neste momento somos mais de 30 e com duas lojas abertas. A responsabilidade, as necessidades de acompanhamento, a visibilidade da empresa, a comunicação
com clientes e fornecedores…. tudo é diferente, tudo está em constante evolução e para isso contamos com uma equipa super profissional que, cada um na sua área, ajuda a gerir e a desenvolver a empresa”, revelou o atual administrador.

António Nogueira da Costa ressalva que é importante encontrar um equilíbrio entre a forma de trabalhar das novas gerações e das mais antigas menos habituadas às novas tecnologias.

Como?

O equilíbrio será tanto maior quanto mais se percecionar que a coexistência geracional, de duas ou mais gerações na empresa, permite conjugar a experiência acumulada do negócio, em posse dos mais seniores, com as novas tecnologias, dominadas ou mais facilmente apreendidas pelos mais
novos. A coexistência geracional pode permitir uma maior capacitação para enfrentar os desafios e as explorar as oportunidades proporcionadas pelas novas tecnologias. A título ilustrativo,
pense-se na tradicional oficina automóvel que cria laços de ligação ao proprietário dos veículos, com um futuro próximo onde podem ser os próprios veículos a decidirem quando, como, … e a que oficina vão. Compreender os novos contextos tecnológicos e os futuros clientes certamente que será mais fácil pelas novas gerações que nasceram e vivem imersas nestas tecnologias”, explicou o especialista.

Quem passou recentemente também por esta experiência foi a empresa Simões e Florêncio.

Marco Simões e Tânia Florêncio são primos e são os novos administradores da empresa. Há cerca de dois anos tomavam o gosto pelo aftermarket português e pelo negócio da família. Devido a um problema de saúde do antigo gestor, seu pai, Raul Simões, Marco viu-se tentado a dar os primeiros passos na Simões e Florêncio. “Apesar de estar há pouco tempo na empresa já acompanho as decisões estratégicas há mais de 20 anos. As decisões importantes, de modernização, investimento e pertença à rede TopCar foram já tomadas na altura certa, em 2010, permitindo à empresa ter hoje continuidade e futuro”, explicou Marco Simões.

Hoje, o atual gestor revela que “A estratégia e base de funcionamento foram mantidas, fizemos algum controlo de custos e adicionámos alguns clientes através de esforço comercial que antes não existia possibilidade de fazer. Serviços novos como recolha de viatura trouxeram alguma vantagem competitiva”, revelou.

UM ENORME DESAFIO

Trabalhar em família é um dos principais desafios colocados aos membros de uma família. Nem sempre é fácil transformar a casa na continuidade da empresa e, ao mesmo tempo, passar o espírito do negócio aos familiares.

António Nogueira da Costa, explicou ao Jornal das Oficinas que nestes casos “Não falar pode originar alheamento. Falar demais pode criar repulsa”. Assim sendo, como disciplinar esta questão “Com alguma disciplina e treino, diria que falar da empresa em casa deve ser como a quantidade de sal numa receita de culinária: q.b. No caso das famílias empresárias que desenvolveram um protocolo familiar, são criados canais que facilitam ultrapassar esta dualidade e, por outro lado, criadas dinâmicas de informação e inclusão da família no ambiente empresarial”.

Está a pensar ou está em processo de Sucessão numa empresa familiar?

Está no caminho certo para o sucesso. “Normalmente as empresas familiares são mais resilientes. Os familiares unem-se para enfrentar as adversidades, trabalham mais horas, suspendem os seus salários, aportam dinheiro próprio, procuram recursos alternativos, … são dos últimos a atirar a toalha ao chão”, explica o especialista.

A sobrevivência das empresas familiares é um processo contínuo que implica competir com vantagens no mercado e evitar que o peso da história e as divergências na família interfiram negativamente na sociedade familiar. Para isso têm de adotar cada vez mais as boas práticas de gestão, preparar os familiares para qualquer um dos papéis que poderão vir a ser confrontados para assumir – empregados, gestores, acionistas ou somente membros da família empresária – e, sem dúvida, desenvolverem e implementar um protocolo familiar, que é um processo de formação, debate, integração e muito gratificante para a empresa e a família. Manter sempre o princípio de que se não se preparar a sucessão familiar, a solução será uma surpresa que, na maioria das vezes, não será boa para a empresa nem para todos os seus stakeholders”, conclui António Nogueira da Costa.

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